Hoje me senti um pouco mais feliz
pela minha tristeza, ela trouxe de volta ao meu âmago esse desejo da escrita,
tão ausente em mim nos últimos tempos, talvez porque a felicidade tenha estado
presente há tanto tempo que não havia tempo pra pensar na minha tão necessária
arte de escrever, parece-me que por um momento, a borboleta pousada em meu
ombro, embasbacou-me com sua beleza e impediu-me de refletir, visto que minhas
reflexões nascem do desejo de ver e mostrar o que ninguém mais tem visto e isso
surge exatamente da nostalgia, do desencanto dos instantes de tristeza,
sentimentos esses que parecem não dormir conosco, mas, que ao amanhecer instalam-se
em nosso interior, sem porquês obrigatórios, apenas estão lá. O efeito da
felicidade, no entanto, parece-me estagnar, passo a senti-la de tal modo, que me
recuso a escrever, já que escrever vem a mim como algo nato movido pelo
sentimento das ausências. É bom sentir
de novo que volto a mim e, desse modo, posso apresentar o que de mim é
essência.
Durante este tempo em que me
ausentei da escrita, estive em muitos lugares e partilhei sensações diversas,
olhei rostos, partilhei sorrisos, caminhei por diversas calçadas com intenções,
sem intenções... Apenas caminhei. Sonhei dormindo, sonhei acordada... Apenas
sonhei... Sorri pra pessoas, sorri de pessoas... Apenas sorri. Amei, mas, não
apenas amei, amei e partilhei amores, com a sutileza de quem oferece, para a
recepção do que vem em troca, porque dizer que sempre damos sem esperar receber
é pura hipocrisia... Sempre esperamos, e como esperamos. Encarei a vida e ela
me encarou de volta.
Ao retornar a estas linhas, tão
deliciadamente redigidas, penso que, se não fossem os momentos de sobriedade, a
embriaguez de alguns momentos não nos faria tão felizes, e não falo de
embriaguez alcoólica, falo da embriaguez da vida e dos sentimentos sem razão.
Se não fossem as tolices o que saberíamos sobre ser sensatos; Se não fossem as
tristezas que nos são impostas, ou que chegam sem convite, apenas por chegar,
não teríamos tanto apego ao que nos torna felizes; Se não fossem as lágrimas
para lavar nossa alma, não saberíamos jamais que o sorriso é tão fascinante.
Somos assim, metade, metade, e metade, inteireza. Quem pode procurar o que não
se perdeu ou perder o que nunca se teve? Somos sim contradição, e isso eu sem
bem o que é. Todos os dias, componho linhas imaginárias, porque vivo a escrever
em pensamento, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença, como num
matrimônio eterno entre o pensamento e a escrita.
Eis que novamente, a escrita pede
passagem, quis sair de sua reclusão para novamente pousar no papel. Ainda
movida pelas incertezas que causam tantas certezas imaturas, mas, que sabem bem
que nascem por uma motivação maior. Porque escrever não é uma convicção plena
de liberdade, mas, uma liberdade plena de convicções, é antes uma “parição
metamorfoseada” que surge das minhas próprias contradições, como numa divisão
entre o que sou o que eu gostaria ser e o que os outros gostariam que eu fosse três
que se fundem, mas, no fim dão espaço a uma terceira pessoa, o nós, sempre
presente, visto que sou sempre um ser pluralizado.
De novo, apresento-me aqui,
nessas linhas tão desejosas de existir, que traduzem meus pensamentos
precocemente envelhecidos, como se eu mesma, fosse o retrato presente do meu passado futuro... Ambiguidades???
Talvez! O que quero, é retorno, é reencontro, é renascimento. A escrita pede
passagem, e eu, como aprendi que devo sempre dar passagem a quem chega, deixo-a
novamente chegar, mas, não somente passar, que chegue e permaneça.
Adriana Pesca