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terça-feira, 15 de maio de 2012

Realidades desconfortantes


No cenário de nossas vivências rompem-se fios da teia da vida. Todos os dias as cortinas se fecham para vidas ainda latentes, são tristezas anunciadas que retiram de nós as esperanças de um mundo melhor. Rostos de uma juventude que grita por vida, perdem-na por banalidades. Pra nós, cujo pensamento acredita na bondade humana, é algo incompreensível.
Cada vez que somos obrigados a pensar na vida como algo finito, somos por consequência, arrancados de nossa inércia. No entanto, aceitar essa condição de finitude é algo que não cabe em nosso entendimento, somos humanos em demasia e é de nossa condição não aceitar as perdas.
Há um inconformismo por trás das aceitações, há medo por trás das barbáries, é triste ver que jovens têm tido suas vidas ceifadas e vê-las justificadas pela procura inevitável na escolha errada da porta larga, em outras palavras, é achar compreensível a sentença de quem, com as próprias mãos, a escolheu e a acolheu para si.
Meus pais me ensinaram que caminhos eu deveria escolher, não o impuseram, apontaram a direção e seguiram junto comigo. Pergunto-me: Será que nossos pais de hoje não têm percebido que, ao se omitirem, apontam um caminho sem volta?
Cada vez que anunciam violência gratuita, vidas ceifadas são manchetes alarmantes e omissões que calam os gritos de desespero por trás do medo, em meu silêncio eu também choro, choro pra dentro porque temo que em minha juventude o mundo me pareça tão velho e calejado de esperanças, me dói pensar que para futuramente ter um filho precisarei antes de qualquer coisa construir sua redoma e, ainda assim continuar a temer e lamentar por tais prisões.
Realidades desconfortantes que me fazem pensar no hoje muito mais do que no amanhã... Realidades inexatas que flagelam minha alma e fazem-me desejar beber cada gota de felicidade que me é oferecida, e amar mais os meus pais, e a elevar mais orações e pedidos de proteção aos céus. No desconforto destas realidades, o que me conforta é saber ainda há quem semeie o amor e então, ainda é possível que colhamos alguns de seus frutos.
TEXTO: ADRIANA PESCA

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Flores, texturas da alma


Hoje desejei falar de flores, não poderia dizer que é algo novo em minhas abordagens, porém, de um jeito diferente ela recai sobre o meu pensamento e toca minha alma, fazendo-me sentir a textura de seu toque. Numa tarde de sábado em que poderia desfrutar de um banho de mar reconfortante, preferi enclausurar-me em mim mesma, em companhia do silêncio, de um livro e de minhas reflexões, sem as quais eu não poderia ser quem sou, talvez pouco aos olhares externos, comum demais para ser notada, no entanto, o eu que me rege, tem reflexos de um poder divino que somente a mim se faz a compreensão.
Tenho enfrentado constantes questionamentos sobre a vida futura, como há muito não ousava fazer, passei a pensar nas construções cabíveis à vida, percebi que estou sempre oscilante entre os prós e os contras existentes nas escolhas, impasses inquietantes que me arrebatam  levando-me e trazendo-me a mim com uma constância inevitável.
A partir da leitura que me acompanhou nesta tarde de sábado desejei profundamente plantar um jardim para que enfeite minha casa e minhas certezas, para que me permita contemplar de sua beleza gratuita que só pede de nós que as regue e as alimente, mas, que em troca nos oferece muito mais do que poderíamos querer. Uma nova certeza foi plantada em mim, a de que um dia plantarei um jardim. Minha mãe, em sua sabedoria materna, sabe como ninguém contemplar e apreciar as flores e eu nunca soube compreender tanta amplitude na beleza que ela enxergava. Esta leitura trouxe-me também a lembrança da sabedoria que as mães possuem, de enxergar beleza nas superfícies quando nós precisamos de profundidade para encontrá-la. Definitivamente, plantarei um jardim.
A alma humana é pra mim um mistério que a minha própria humanidade não me permite desvendar, pois, a humanidade retira de nós o sacro, esbarro em minhas imperfeições e me perco dos sentidos sagrados por trás da criação. Falar de flores é também mergulhar nos mistérios sagrados, contemplá-las com a alma é acariciar texturas similares, acariciar flores é acariciar a própria alma humana, os segredos que regem o cultivo das flores são os mesmos que regem o cultivo de nosso ser, ambos possuem um processo que envolve lançar a semente, não sem antes preparar o terreno onde ela florescerá, regar para que germine, doar amor e condição para que viva e sobreviva, preparar um espaço adequado, enfim, fazer o preparo necessário para que a vida aconteça e nos dê a oportunidade de contemplá-la em sua plenitude. Um processo de vida que brota a partir da necessidade de possuirmos mais vida dentro de nossas certezas.
As flores são a metáfora de nossos sonhos plantados, onde nós somos os jardineiros. Precisamos ser fieis àquilo que estamos cultivando, plantar sonhos e flores são tarefas árduas, precisamos ofertar muito de nós, pois, teremos a compensação dos resultados, a contemplação do belo que nos será permitido, onde poderemos, a qualquer tempo, doar um pouco de nossas flores e partes de nossos sonhos, cujo aroma de felicidade chegará a todos, aos que tem acesso aos nossos jardins e àqueles que passam desapercebidos por nossas calçadas, porque, na mesma medida com a qual nos doarmos para que se concretizem receberemos deles suas inspirações, pois, será no caminho, no processo de feitura que encontraremos os porquês necessários da nossa existência. Sonhos e jardins precisam de pontos de partida e pontos de partilha, somente ao acreditarmos nas possibilidades de sua construção, poderemos chegar à contemplação presente em seus resultados, flores que se multiplicam, sonhos que se concretizam tornam-se texturas que deixam de ser apenas contemplação e passam a ser acariciáveis. Acariciar flores é acariciar a alma.

Adriana Pesca