Hoje desejei falar de flores, não poderia dizer que é algo
novo em minhas abordagens, porém, de um jeito diferente ela recai sobre o meu
pensamento e toca minha alma, fazendo-me sentir a textura de seu toque. Numa
tarde de sábado em que poderia desfrutar de um banho de mar reconfortante,
preferi enclausurar-me em mim mesma, em companhia do silêncio, de um livro e de
minhas reflexões, sem as quais eu não poderia ser quem sou, talvez pouco aos
olhares externos, comum demais para ser notada, no entanto, o eu que me rege,
tem reflexos de um poder divino que somente a mim se faz a compreensão.
Tenho enfrentado constantes questionamentos sobre a vida
futura, como há muito não ousava fazer, passei a pensar nas construções
cabíveis à vida, percebi que estou sempre oscilante entre os prós e os contras
existentes nas escolhas, impasses inquietantes que me arrebatam levando-me e trazendo-me a mim com uma
constância inevitável.
A partir da leitura que me acompanhou
nesta tarde de sábado desejei profundamente plantar um jardim para que enfeite
minha casa e minhas certezas, para que me permita contemplar de sua beleza
gratuita que só pede de nós que as regue e as alimente, mas, que em troca nos
oferece muito mais do que poderíamos querer. Uma nova certeza foi plantada em
mim, a de que um dia plantarei um jardim. Minha mãe, em sua sabedoria materna,
sabe como ninguém contemplar e apreciar as flores e eu nunca soube compreender
tanta amplitude na beleza que ela enxergava. Esta leitura trouxe-me também a
lembrança da sabedoria que as mães possuem, de enxergar beleza nas superfícies
quando nós precisamos de profundidade para encontrá-la. Definitivamente,
plantarei um jardim.
A alma humana é pra mim um mistério
que a minha própria humanidade não me permite desvendar, pois, a humanidade
retira de nós o sacro, esbarro em minhas imperfeições e me perco dos sentidos
sagrados por trás da criação. Falar de flores é também mergulhar nos mistérios
sagrados, contemplá-las com a alma é acariciar texturas similares, acariciar
flores é acariciar a própria alma humana, os segredos que regem o cultivo das
flores são os mesmos que regem o cultivo de nosso ser, ambos possuem um
processo que envolve lançar a semente, não sem antes preparar o terreno onde
ela florescerá, regar para que germine, doar amor e condição para que viva e
sobreviva, preparar um espaço adequado, enfim, fazer o preparo necessário para
que a vida aconteça e nos dê a oportunidade de contemplá-la em sua plenitude.
Um processo de vida que brota a partir da necessidade de possuirmos mais vida
dentro de nossas certezas.
As flores são a metáfora de nossos
sonhos plantados, onde nós somos os jardineiros. Precisamos ser fieis àquilo
que estamos cultivando, plantar sonhos e flores são tarefas árduas, precisamos
ofertar muito de nós, pois, teremos a compensação dos resultados, a
contemplação do belo que nos será permitido, onde poderemos, a qualquer tempo,
doar um pouco de nossas flores e partes de nossos sonhos, cujo aroma de
felicidade chegará a todos, aos que tem acesso aos nossos jardins e àqueles que
passam desapercebidos por nossas calçadas, porque, na mesma medida com a qual
nos doarmos para que se concretizem receberemos deles suas inspirações, pois,
será no caminho, no processo de feitura que encontraremos os porquês
necessários da nossa existência. Sonhos e jardins precisam de pontos de partida
e pontos de partilha, somente ao acreditarmos nas possibilidades de sua
construção, poderemos chegar à contemplação presente em seus resultados, flores
que se multiplicam, sonhos que se concretizam tornam-se texturas que deixam de
ser apenas contemplação e passam a ser acariciáveis. Acariciar flores é
acariciar a alma.
Adriana Pesca
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